No dia do teólogo que é hoje estava observando e vi que já escrevi diversos textos, artigos acadêmicos sobre Deus, o que é sempre um tema instigante para se ponderar. A minha visão sobre Deus tem mudado bastante ao longo desses anos em que venho estudando mais a fundo tais conceitos, mas acredito ser esse o trabalho teologal, o refletir para que a fé vá se aprimorando, para que os conceitos possam dançar e para que dessa dança possa sair alguma luz que ilumine os outros.
Pensar sobre Deus é sempre difícil, pois acaba mexendo com questões extremamente íntimas, estruturais, mas que precisam ser pensadas por aqueles que querem ter um relacionamento com Deus. Para que tal relacionamento não seja uma mera reprodução de conteúdos ensinados pelos nossos pais e avós no processo de crescimento, mas que seja algo construído pelo próprio sujeito a partir das suas experiências com Deus e com o conhecimento possível sobre Ele(a).
Neste sentido a Psicanálise, para além da Teologia e da Filosofia tem me sido de grande valia para pensar sobre Deus. As críticas de Freud, Lacan e diversos outros teóricos sobre tal conceito são críticas que todo teólogo deveria encarar seriamente, pois elas mostram como que várias vezes a ideia de Deus surge como uma promessa vã de conforto, surge como um engodo para a infantilização do sujeito, mas ao mesmo tempo a psicanálise também mostra a partir de outros autores que é possível um relacionamento "saudável" com Deus, com a fé, com a Religião.
Como alguém que estuda seriamente estas questões há mais de 10 anos, me incomoda tremendamente o ateísmo vulgar, aquele ateísmo panfletário que quer manter uma crítica tipicamente do século 19 ignorando completamente os avanços tanto do ateísmo contemporâneo, quanto até mesmo das formulações teológicas contemporâneas que passam totalmente despercebidas por diversos ateus quando vão criticar a religião do século 21. Vários insistem em criticar a religião a partir de Marx com a sua noção de "ópio do povo", mas desconhecem a Teologia da Libertação que longe de ser "ópio" foi e é um grande instrumento de mudança social em diversos lugares do Brasil e da América Latina.
Outros insistem em utilizar a crítica feuerbachiana (a meu ver muito mais consistente que a crítica marxista), mas se esquecem do limite de tal crítica no seu conceito de projeção que é visto de maneira um tanto quanto ingênua por Feuerbach e na mesma esteira por Freud e seu conceito de ilusão. Ao focarem nesse tipo de crítica esquecem de teólogos como Karl Rahner que fez questão de responder pontualmente a crítica feuerbachiana no século 20, se esquecem do esforço de Karl Barth contra a crítica de Feuerbach também no século 20, se esquecem de Oskar Pfister e sua seríssima reflexão sobre o diálogo entre Psicanálise e Religião, diálogo esse que manteve com Freud por mais de 30 anos, e que pensou de forma muito rica as possíveis relações saudáveis do sujeito para com a religião e para com a figura de Deus. Se esquecem até mesmo de Lacan e sua visão um pouco mais "positiva" para com a religião como "Sinthome" possível para o sujeito, isso para citarmos apenas alguns exemplos que mais saltam à vista.
Penso que o ateísmo é uma postura extremamente importante, extremamente rica e é uma forma de lidar com o mundo extremamente adulta, pois não espera nada de Deus, uma vez que ele(a) não existiria. Penso ao mesmo tempo que o ateísmo levanta diversas questões sérias à teologia. Questões essas que devem ser pensadas seriamente por nós, teólogos, se quisermos ter algo a dizer no mundo contemporâneo. Neste sentido acho extremamente interessante o debate que diversos ateus fazem no século 21 com a religião. Figuras como Slavoj Zizek, Heidegger, Laclau, trazem temas importantíssimos para o debate entre ateísmo e religião que não partem da ingenuidade que vários ateus panfletários insistem em manter.
Obviamente que falta à teologia e a diversos teólogos de hoje um debate um pouco mais honesto com a psicanálise e em várias medidas com a própria filosofia, mas é inegável o avanço que a Teologia tem feito no século 20 e 21. No dia do teólogo penso ser o nosso dever repensar o nosso diálogo com as diversas áreas do conhecimento e nos propormos manter uma relação de troca mútua e saudável sempre dispostos a aprender com outros campos do saber. Se a teologia tem avançado bastante nos últimos anos é por meio do esforço de diversos teólogos que não se contentam em apenas se fecharem nos seus gabinetes e refletirem sobre um Deus etéreo, mas se colocarem como agentes modificadores do mundo. Temos diversos exemplos destas figuras no Brasil, figuras como Leonardo Boff, Rubem Alves, Dom Helder Câmara e tantos outros às vezes desconhecidos, mas que auxiliaram, questionaram, lutaram e lutam contra as mazelas sociais revelando um Deus várias vezes desconhecido por outros, mas revelado diariamente nas ações que auxiliam o outro.
Hoje celebramos o dia do Teólogo e acredito que essa função tem se tornado uma função extremamente importante diante do mundo em que vivemos. Não apenas por trazer reflexões sobre temas cada vez mais importantes para nós, mas por se colocar como discurso extremamente libertador para o sujeito contemporâneo diariamente massacrado por discursos vazios. Acredito que a grande tarefa do teólogo hoje é se mostrar aberto aos outros discursos sem pretender ter a última palavra, sem pretender ser aquele que detém a verdade que apenas deve ser "espalhada" mundo a fora. Rubem Alves, teólogo protestante brasileiro, já nos dizia que a teologia é um grande brincar com "contas de vidro", ou seja, é um brincar com coisas extremamente frágeis, é brincar com palavras como se fosse uma grande feitiçaria, pois acredita no poder criador das palavras com as quais se brinca.
Que nós enquanto teólogos possamos brincar com cada vez mais alegria com nossas contas de vidro e que nessa brincadeira possamos encantar a outros, e encantando a outros possamos revelar um(a) deus(a) várias vezes desconhecido(a) de muitos.
PS: Fiquei muito feliz com as diversas felicitações recebidas hoje por diversas pessoas. Esse reconhecimento é sempre um estímulo para prosseguir com as pesquisas e as reflexões sobre temas tão necessários na atualidade.