segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um desejo realizável




Se em 2013 conseguirmos ser melhores para conosco e com os que nos rodeiam, mais próximos uns dos outros, nos importarmos com os outros além de nós mesmos, fizermos atentos os nossos ouvidos àqueles que tem algo a nos dizer, mas por estarmos tão presos a nós mesmos não os ouvimos, se conseguirmos descentrarmos de nós mesmos e centrarmos na realidade que nos ronda e às vezes é tão perversa acredito que teremos um 2013 melhor que 2012.

O engajamento no mundo a fim de transformá-lo, talvez não com grandes atos, mas com gestos pequenos,

E de gesto em gesto acredito que 2013 será um excelente ano.


Um desejo realizável !

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Dialética do Enganador-Enganado - Paráfrase hegeliana

Se eu te amo enquanto vc me engana, como vc sabe que este amor que lhe devoto é verdadeiro, se amo apenas a fachada que me mostra? Não seria melhor se mostrar realmente, de forma que se te amar será porque te amo pelo que você é? 
Quem sabe eu não te amaria por você mesmo? Quem sabe a máscara caindo eu não goste mais do seu rosto que da máscara que sempre traz consigo? 
Na estranha dialética do enganador-enganado é como se o enganador precisasse do enganado para se sentir enganador. A estrutura que mantém a dialética exige que o engano não se desfaça. Ao invés disso o enganador propõe medidas compensatórias que na realidade apenas faz aumentar o engano e torna o enganador menos enganador para o enganado.  Mas o enganador não percebe que ele mesmo se engana ao pensar que o enganado o ama de forma verídica, pois na realidade, o enganado não o ama, mas ama apenas o engano criado pelo enganador.  O enganador engana tanto que engana a si mesmo na relação. 
Da mesma forma o enganado precisa do enganador, pois ama o enganador na forma como este se constrói para o enganado. O enganado ama uma imagem, um vazio de sentido que só vigora enquanto persiste o engano, mas este vazio lhe dá a impressão de que todo o engano sofrido anteriormente seriam águas passadas. Se ele percebesse que se fia sobre mais um engano, talvez assumiria o risco da verdade pelo menos uma vez na vida. 
 E nessa dinâmica todos perdem.
Dentro desta estranha dialética tudo o que se tem é algo ilusório e sem sentido. A verdade, o respeito, o amor próprio que seriam as bases de qualquer relacionamento se constituem sobre um vazio, uma ilusão e por isso não tem como subsistir. Se o faz, o faz com enormes penas sofridas tanto para o enganador quanto para o enganado. 
Se engana o enganador ao pensar que realmente ama o enganado. Ele não o ama, mas ama apenas a comodidade, o "bom porto" encontrado nos braços do enganado. E amar o outro pelo que ele me oferece e não por ele mesmo é amor? Se o amo, por que não me revelo? Por que me escondo? Por que me engano? 
As perguntas de quem está de fora desta dialética são sempre as mesmas:
O que acontecerá quando o edifício desmoronar?
Quando a verdade se revelar?
Quando a dor chegar?

Afinal, não é possível esconder tudo de todos o tempo todo
Não é possível tampar o sol com a peneira. Uma hora ou outra a verdade chegará. 
E quando ela chegar, o que será de vós?


 
 
 
 
 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Precisamos de um novo Lutero?



Sem dúvida a reforma protestante iniciada por Lutero foi um fato decisivo para a história mundial e principalmente para a igreja cristã ocidental. Quando, em 1517, Lutero pregou as 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg protestando contra as práticas da igreja católica romana desencadeou um movimento que atingiu todo o mundo posteriormente. De suas idéias reformistas vieram após ele Calvino, John Wycliffe, Zwinglio e vários outros que levaram os ideais da reforma protestante mundo afora.

A reforma protestante, antes de tudo, foi uma reforma pedagógica. Ao propor o livre exame da Bíblia, propor que a Bíblia deveria ser lida por todos em sua língua materna e realizar uma tradução da Bíblia voltada para o povo, Lutero iniciava talvez a maior reforma pedagógica já vista na europa. Agora  o povo podia ter acesso ao texto sagrado diretamente, sem precisar do clero para dizer o que Deus tinha a dizer. A Bíblia passa a fazer parte da vida de várias pessoas, várias delas passam a aprender a ler através dela. O texto sagrado é dado ao povo e a este povo é dada também a dignidade de poderem eles próprios entender os mistérios divinos. O povo se aproxima então do Verbo. A palavra se faz texto e habita entre eles.

Os "cinco solas" marcam a nova teologia proposta por Lutero. São eles: Sola fide, Sola scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Soli Deo gloria. Com estes cinco princípios, uma nova teologia nasce e com ela uma nova relação entre o homem e a igreja institucional. Não abordarei aqui a teologia luterana baseada nestes cinco Solas, nem mesmo as doutrinas defendidas por Lutero tais como a predestinação, a negação da transubstanciação, etc uma vez que o texto ficaria muito grande.

Muito tempo se passou e hoje várias pessoas dizem que precisamos de um novo Lutero para reformar novamente a igreja protestante que há algum tempo perdeu muito o seu caráter de protestar contra as coisas. Hoje em dia é capaz da maioria dos protestantes nem mesmo saber o que são os cinco solas de Lutero, e muito menos o que eles implicam e implicaram na relação entre homem e igreja.

Hoje, dia 31 de outubro se comemora a reforma protestante, mas realmente o que se pode comemorar hoje dado o protestantismo atual?  Talvez comemore-se apenas uma data, um fato histórico com toda a sua importancia eclesiástica, e nesse sentido não perde o seu valor enquanto evento histórico, no entanto na prática celebramos a decadencia do protestantismo praticamente todos os dias nas mais diversas celebrações e cultos que temos na TV, rádios, etc. Não é de se espantar o descrédito de vários setores do protestantismo hoje na sociedade brasileira. Em um texto há algum tempo atrás, disse que faço uma diferenciação entre evangélicos e protestantes. Dos protestantes saem os evangélicos  o que vemos a cada dia é que a herança de Lutero se perde a passos largos.

A igreja evangélica brasileira e vários de seus líderes fazem questão de se distanciar cada vez mais dos 5 solas propostos por Lutero e ao mesmo tempo afastar-se do texto bíblico que deu origem à fé cristã. Curiosamente, o protesto de Lutero parece ter dado início a um grande círculo que agora vê uma espécie de retorno ao seu início. É bastante óbvia a associação entre as campanhas, os óleos ungidos, as correntes, e toda sorte de "magia cristã" (todas elas com algum preço, é óbvio) com as indulgências da época de Lutero. Só que agora, ao invés de prometerem um lugar no céu, se promete um bom lugar na terra, uma mansão, uma boa empresa, um lucro exorbitante. Nada mais próximo da sociedade capitalista de hoje. Se na época de Lutero o mundo ainda era "encantado" para usarmos a expressão de Weber, o desencanto da modernidade gera novas promessas, e todas elas vinculadas a dinâmica do capital, afinal, hoje em dia não faria muito sentido prometer que se você fosse durante 7 sextas-feiras teria um lugar no céu. Faz mais sentido afirmar que você terá uma grande empresa, ou uma casa nova, ou qualquer coisa mais vinculada a aquisição de bens que as traças e a ferrugem consomem.

Neste caso, será que um novo Lutero como vários insistem resolveria o problema, ou apenas daria início a mais um círculo que dentro de alguns anos veria de novo o seu colapso diante de um eterno retorno do mesmo? As 95 teses que trazem uma tentativa de uma reformulação teológica da igreja católica levou a um excesso de teorização que muitas delas não fazem mais sentido hoje, ao mesmo tempo o livre exame da Bíblia acabou se tornando desculpa para as mais diferentes interpretações e teologias que vemos hoje em dia. Uma pior que a outra. Talvez o exemplo de Lutero nos mostre que a igreja deva ter como baliza não apenas uma teorização, mas ao mesmo tempo uma vivência. Lutero foi um exemplo de fé que levou às últimas consequências sua proposta.

Recentemente Paul Valadier nos disse que para a igreja (e nesse caso se referia à igreja católica romana) conseguir lidar com o pluralismo em seu seio, seria preciso relembrar o exemplo de Inácio de Loyola. Do seu ponto de vista, Valadier nos diz que a espiritualidade ianciana " convida o homem a abrir-se para o desejo de Deus, para si e para o mundo, mobilizando sua afetividade, suas capacidades intelectuais e sua vontade para descobrir o que deve ser feito aqui e agora. Ela defronta cada indivíduo com sua vocação própria e única, mergulhando-o, portanto, na atualidade histórica em que a graça de Deus o chama a ser, em vez de cair no vazio (naquele do pecado), a viver, ou de perecer, conforme a antiga sabedoria bíblica.(...) Para tanto, precisamos de outro Inácio, se quisermos evitar o surgimento de outro Lutero." ( A entrevista completa pode ser lida aqui).

Dessa forma, concordando com Valadier, vejo que a necessidade maior hoje  não seria de um novo Lutero, mas um retorno a uma vida cristã autêntica que teria no Cristo o seu exemplo maior de conduta. Uma cristandade que tem como foco o levar a vida abundante onde ela não há, e assim propor um novo paradigma ao mundo. Acredito que só assim, a religião cristã poderá de novo ter algo a dizer ao mundo em tempos tão caóticos que vivemos. Lutero então pode ser visto como um divisor de águas na história da igreja, e sua fé com certeza pode ser considerada um exemplo para nós, assim como todo o seu empenho de fazer a igreja retornar às suas bases no intuito de reformar o catolicismo, no entanto no mundo atual não serão novas teses que farão com que a igreja refaça seu caminho em direção ao próximo, mas sim um retorno a uma espiritualidade que tem no próprio Deus o seu foco, e aqui, concordando com Levinas, penso que o próprio Deus só pode ser encontrado na figura do próximo. Daí talvez o conselho de Valadier no sentido de precisarmos de um outro Inácio e não um novo Lutero.







terça-feira, 23 de outubro de 2012

Pensando sobre o céu estrelado



 

Kant já nos dizia que duas coisas o maravilhavam tremendamente. A lei moral dentro dele e o céu estrelado sobre ele. Hoje ao sair de casa tive o mesmo sentimento de maravilhar-se. Não com a lei moral, mas com o céu estrelado sobre mim. Na época de Kant não se sabia o que se sabe hoje sobre as estrelas, e acredito que se soubesse, Kant se maravilharia mais ainda com o céu estrelado sobre ele.

Nosso conhecimento hoje sobre as estrelas, sobre os planetas, enfim, sobre a cosmologia é bem vasto, e mesmo sendo tão vasto não conhecemos nem um décimo de tudo o que está acima de nós. Para termos noção disso que falo basta olharmos o Google Earth na opção Space e veremos que temos alguns pequenos traços demarcados que são onde se encontram as galáxias conhecidas, alguns planetas, etc. Pequenos traços de uma mapa extremamente incompleto que nos faz ver ao mesmo tempo a grandeza do espaço e nossa pequenez diante dele.

Dado ao conhecimento que temos hoje sobre as estrelas, sabemos que sempre quando olhamos para uma estrela no céu estamos olhando para o nosso passado, afinal, a estrela que se mostra pode já ter se transformado em uma grande supernova e não mais existir, mas apenas agora sua luz chega até nós. Anos-luz de distância nos separam da estrela que se mostra para nós agora. Olhamos o que de fato pode nem mesmo existir mais. Achamos lindo o inexistente, aquele algo que pode ou não pode estar lá ainda. Olhar para o céu estrelado sobre nós nos faz colocar em dúvida toda a nossa certeza na empiricidade. Neste momento concordamos com Descartes que nos falava que os sentidos nos enganam. O céu estrelado sobre mim me engana, e neste enganar me maravilha tremendamente. Com Kant diríamos que entre o númeno e o fenômeno está o maravilhar diante deste desconhecido, afinal, o que a estrela de fato é agora, no momento que a contemplo no céu, isso eu nunca poderei saber, mas até mesmo o fenômeno que se mostra a mim (que segundo Kant seria construído a partir da razão que em mim habita) remete a este engano fundamental, esta distancia enorme entre fato e aparência que não cessa de me maravilhar.

Uma teoria cosmológica ainda bem aceita no meio científico é a teoria do Big Bang que diz que todo o nosso universo surgiu de uma explosão inicial onde tudo estava comprimido em um ponto do espaço. Desta explosão viriam todas as coisas existentes no universo. Seríamos, portanto, poeira estrelar, fruto de uma explosão sem sentido que poderia não ter acontecido, mas que de alguma forma aconteceu e por isso estaríamos aqui. Seríamos determinados por este passado longínquo, do qual não temos controle, mas apenas sofremos seus efeitos em nossa constituição. E como não lembrar de Freud e sua teoria psicanalítica que nos remete a uma mesma determinação a partir do nosso passado longínquo do qual não temos domínio e apenas sofremos os efeitos dele tentando desesperadamente lidar com isso durante toda a nossa vida?

O céu estrelado sobre mim me fez pensar todas estas coisas enquanto caminhava para o trabalho, e isso me fez maravilhar assim como o fez ao filósofo de Königsberg.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Psicanálise e Religião. Pequenos pensamentos esparsos






No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por ele e sem ele nada do que foi feito se fez. João 1.1-3

Qualquer mundo que queiramos criar pressuporá o uso das palavras que serão significativas em nossa arquitetura. Estas mesmas palavras serão usadas por nós como tijolos da construção deste mundo no qual fiaremos todas as nossas certezas e incertezas, onde buscaremos abrigos quando os dias forem maus, onde gostaremos de estar quando a paz nos faltar. Tudo isto construído por palavras.

No princípio era o verbo.

Nas profundezas de nós mesmos, lá no princípio, tudo é sem forma e vazio,  como se fosse um extremo caos onde a palavra ainda não tem acesso, onde não há tempo, mas que de alguma forma há o que realmente somos. Pulsões e mais pulsões querendo de alguma forma vir a tona, mas sem exito porque o que há é apenas caos. Apenas quando o verbo é dito tudo se transforma. O outro traz o verbo, ele se instaura em nós, ilumina, ordena, canaliza este turbilhão de pulsões. Com o verbo dito, algo se transformou e só então começamos a nos construir. Este verbo criador passa então a fazer parte de nós. Tudo será feito a partir dele, e sem ele nada do que for feito se fará.

Toda nossa busca posterior será na tentativa de decifrar este verbo presente em nós. Através das palavras passamos a revelar para nós o que antes não sabíamos, desvelamos as sendas obscuras que habitam em nós e que na maioria das vezes nem sabemos que estão lá. Do inconsciente ao consciente na tentativa de reviver o verbo que passou a fazer carne em nós. Esta tentativa quando bem executada nos traz ao conhecimento de nós mesmos e a partir daí podemos caminhar em nova direção.

Tudo criado e construído pela palavra. o verbo se instaura  e depois passamos a vida buscando palavras para tentar dizer o verbo encarnado em nós, várias vezes incompreendido, várias vezes obscurecido e não raras vezes escondido por nós mesmos.

Não seria esta a tarefa principal da psicanálise em seu trabalho de escuta entre analista e analisando? Este trazer a tona os segredos obscuros do homem de forma que ele veja quem ou o que ele realmente é e a partir daí consiga seguir em frente lidando com o sofrimento e o desamparo que o constitui? Nao seria a psicanálise a procura do verbo entendido como algo a ser buscado através de um método científico? Uma tentativa de cura pela palavra?

 "Diga-me uma só palavra e eu ficarei curado", talvez seja este o sonho de todo analisando com seu analista que geralmente não tem esta palavra de forma a precisar que o analisando fale, diga o que lhe vier a mente para então o analista tentar montar o quebra-cabeça provocado pela livre associação.
É óbvia aqui a presença da fé. Fé do analisando para com o analista, sem fé é impossível haver análise, pois o analisando precisa acreditar que o analista o entende, o acolhe, para então falar. Só a partir da fé começa a análise, começa-se a busca psicanalítica pelo verbo encarnado.

Dito dessa forma, fica claro que tanto a psicanálise quanto a religião buscam cada um a seu modo curar o homem de seu desamparo e buscar fornecer a ele um auxílio para lidar com o sofrimento. A religião para tal cura propõe um sentido último, um transcendente para o homem, a psicanálise propõe um mergulhar no inconsciente para que a partir do próprio conhecimento o homem lide melhor com seu desamparo estrutural, sem transcendente, sem um sentido último, sem promessas. Até que ponto a religião e a psicanálise podem se ajudar para livrar o homem do seu desamparo é algo a ser estudado com muito afinco e acredito que a dicotomia proposta por vários psicanalistas e vários religiosos não seja sadia. Não se deve pensar em uma dinâmica de "ou psicanálise, ou religião", mas vejo que o que deve ser buscado é uma proposta mais integradora e quanto a isso vários esforços tem sido feitos e é motivo de felicidade poder fazer parte deste diálogo tão profícuo.

Fé e crédito - Giorgio Agamben







Para entender o que significa a palavra "futuro", é preciso, antes, entender o que significa uma outra palavra, que não estamos mais acostumados a usar, senão na esfera religiosa: a palavra "fé". Sem fé ou confiança, não é possível futuro. Só há futuro se pudermos esperar ou crer em alguma coisa.

Sim, mas o que é fé? David Flüsser, um grande estudioso da ciência das religiões – também existe uma disciplina com esse estranho nome – estava justamente trabalhando sobre a palavra pistis, que é o termo grego que Jesus e os apóstolos usavam para "fé". Um dia, ele se encontrava por acaso em uma praça de Atenas e, em um certo momento, levantando os olhos, viu escrito em caracteres capitais, à sua frente: Trapeza tes pisteos. Estupefato com a coincidência, olhou melhor e, depois de alguns segundos, se deu conta de que se encontrava simplesmente diante de um banco: trapeza tes pisteos significa, em grego, "banco de crédito".

Eis qual era o sentido da palavra pistis, que ele estava tentando entender há meses: pistis, "fé", é simplesmente o crédito do qual gozamos junto de Deus e do qual a palavra de Deus goza junto de nós, a partir do momento em que acreditamos nela.

Por isso, Paulo pode dizer em uma famosa definição que "a fé é substância de coisas esperadas" [ou, segundo a versão da Bíblia Pastoral, "um modo de já possuir aquilo que se espera"]: ela é o que dá realidade àquilo que não existe ainda, mas em que acreditamos e confiamos, em que colocamos em jogo o nosso crédito e a nossa palavra. Algo como um futuro existe na medida em que a nossa fé consegue dar substância, isto é, realidade às nossas esperanças.

Mas a nossa época, como se sabe, é de escassa fé ou, como dizia Nicola Chiaromonte, de má-fé, isto é, de uma fé mantida à força e sem convicção. Portanto, uma época sem futuro e sem esperanças – ou de futuros vazios e de falsas esperanças. Mas, nesta época muito velha para crer realmente em alguma coisa e esperta demais para estar verdadeiramente desesperada, o que será do nosso crédito, o que será do nosso futuro?

Porque, olhando bem, ainda há uma esfera que gira totalmente ao redor do eixo do crédito, uma esfera em que acabou toda a nossa pistis, toda a nossa fé. Essa esfera é o dinheiro, e o banco – a trapeza tes pisteos – é o seu templo. O dinheiro nada mais é do que um crédito, e sobre muitas notas de crédito (sobre a libra esterlina, sobre o dólar, mesmo que não – sabe-se lá por que; talvez deveríamos começar a suspeitar disso – sobre o euro) ainda está escrito que o banco central promete garantir esse crédito de algum modo.

A chamada "crise" que estamos atravessando – mas aquilo que se chama de "crise", isso já está claro, nada mais é do que o modo normal em que funciona o capitalismo do nosso tempo – começou com uma série insensata de operações sobre o crédito, sobre créditos que eram descontados e revendidos dezenas de vezes antes que pudessem ser realizados. Isso significa, em outras palavras, que o capitalismo financeiro – e os bancos que são o seu órgão principal – funciona jogando sobre o crédito – ou seja, sobre a fé – dos homens.

Mas isso também significa que a hipótese de Walter Benjamin, segundo a qual o capitalismo é, na verdade, uma religião e a mais feroz e implacável que jamais existiu, porque não conhece redenção nem trégua, deve ser tomado ao pé da letra. O Banco – com os seus funcionários pardos e especialistas – tomou o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito, manipula e gerencia a fé – a escassa e incerta confiança – que o nosso tempo ainda tem em si mesmo. E o faz do modo mais irresponsável e sem escrúpulos, tentando lucrar dinheiro com a confiança e as esperanças dos seres humanos, estabelecendo o crédito de que cada um pode gozar e o preço que deve pagar por isso (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram à sua soberania).

Desse modo, governando o crédito, ele governa não só o mundo, mas também o futuro dos seres humanos, um futuro que a crise torna cada vez mais curto e a prazo. E se hoje a política não parece mais possível, isso se deve ao fato de que o poder financeiro sequestrou de fato toda a fé e todo o futuro, todo o tempo e todas as expectativas.

Enquanto essa situação durar, enquanto a nossa sociedade que se acredita laica permanecer subserviente à mais obscura e irracional das religiões, será bom que cada um retome o seu crédito e o seu futuro das mãos desses tétricos pseudosacerdotes, banqueiros, professores e funcionários das várias agências de rating. E talvez a primeira coisa a fazer é parar de olhar apenas para o futuro, como eles exortam a fazer, para, ao contrário, voltar o olhar para o passado.

Apenas compreendendo o que aconteceu e, sobretudo, tentando entender como pôde acontecer, será possível, talvez, reencontrar a própria liberdade. A arqueologia – não a futurologia – é a única via de acesso ao presente.

Para entender o que significa a palavra "futuro", é preciso, antes, entender o que significa uma outra palavra, que não estamos mais acostumados a usar, senão na esfera religiosa: a palavra "fé". Sem fé ou confiança, não é possível futuro. Só há futuro se pudermos esperar ou crer em alguma coisa.

Sim, mas o que é fé? David Flüsser, um grande estudioso da ciência das religiões – também existe uma disciplina com esse estranho nome – estava justamente trabalhando sobre a palavra pistis, que é o termo grego que Jesus e os apóstolos usavam para "fé". Um dia, ele se encontrava por acaso em uma praça de Atenas e, em um certo momento, levantando os olhos, viu escrito em caracteres capitais, à sua frente: Trapeza tes pisteos. Estupefato com a coincidência, olhou melhor e, depois de alguns segundos, se deu conta de que se encontrava simplesmente diante de um banco: trapeza tes pisteos significa, em grego, "banco de crédito".

Eis qual era o sentido da palavra pistis, que ele estava tentando entender há meses: pistis, "fé", é simplesmente o crédito do qual gozamos junto de Deus e do qual a palavra de Deus goza junto de nós, a partir do momento em que acreditamos nela.

Por isso, Paulo pode dizer em uma famosa definição que "a fé é substância de coisas esperadas" [ou, segundo a versão da Bíblia Pastoral, "um modo de já possuir aquilo que se espera"]: ela é o que dá realidade àquilo que não existe ainda, mas em que acreditamos e confiamos, em que colocamos em jogo o nosso crédito e a nossa palavra. Algo como um futuro existe na medida em que a nossa fé consegue dar substância, isto é, realidade às nossas esperanças.

Mas a nossa época, como se sabe, é de escassa fé ou, como dizia Nicola Chiaromonte, de má-fé, isto é, de uma fé mantida à força e sem convicção. Portanto, uma época sem futuro e sem esperanças – ou de futuros vazios e de falsas esperanças. Mas, nesta época muito velha para crer realmente em alguma coisa e esperta demais para estar verdadeiramente desesperada, o que será do nosso crédito, o que será do nosso futuro?

Porque, olhando bem, ainda há uma esfera que gira totalmente ao redor do eixo do crédito, uma esfera em que acabou toda a nossa pistis, toda a nossa fé. Essa esfera é o dinheiro, e o banco – a trapeza tes pisteos – é o seu templo. O dinheiro nada mais é do que um crédito, e sobre muitas notas de crédito (sobre a libra esterlina, sobre o dólar, mesmo que não – sabe-se lá por que; talvez deveríamos começar a suspeitar disso – sobre o euro) ainda está escrito que o banco central promete garantir esse crédito de algum modo.

A chamada "crise" que estamos atravessando – mas aquilo que se chama de "crise", isso já está claro, nada mais é do que o modo normal em que funciona o capitalismo do nosso tempo – começou com uma série insensata de operações sobre o crédito, sobre créditos que eram descontados e revendidos dezenas de vezes antes que pudessem ser realizados. Isso significa, em outras palavras, que o capitalismo financeiro – e os bancos que são o seu órgão principal – funciona jogando sobre o crédito – ou seja, sobre a fé – dos homens.

Mas isso também significa que a hipótese de Walter Benjamin, segundo a qual o capitalismo é, na verdade, uma religião e a mais feroz e implacável que jamais existiu, porque não conhece redenção nem trégua, deve ser tomado ao pé da letra. O Banco – com os seus funcionários pardos e especialistas – tomou o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito, manipula e gerencia a fé – a escassa e incerta confiança – que o nosso tempo ainda tem em si mesmo. E o faz do modo mais irresponsável e sem escrúpulos, tentando lucrar dinheiro com a confiança e as esperanças dos seres humanos, estabelecendo o crédito de que cada um pode gozar e o preço que deve pagar por isso (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram à sua soberania).

Desse modo, governando o crédito, ele governa não só o mundo, mas também o futuro dos seres humanos, um futuro que a crise torna cada vez mais curto e a prazo. E se hoje a política não parece mais possível, isso se deve ao fato de que o poder financeiro sequestrou de fato toda a fé e todo o futuro, todo o tempo e todas as expectativas.

Enquanto essa situação durar, enquanto a nossa sociedade que se acredita laica permanecer subserviente à mais obscura e irracional das religiões, será bom que cada um retome o seu crédito e o seu futuro das mãos desses tétricos pseudosacerdotes, banqueiros, professores e funcionários das várias agências de rating. E talvez a primeira coisa a fazer é parar de olhar apenas para o futuro, como eles exortam a fazer, para, ao contrário, voltar o olhar para o passado.

Apenas compreendendo o que aconteceu e, sobretudo, tentando entender como pôde acontecer, será possível, talvez, reencontrar a própria liberdade. A arqueologia – não a futurologia – é a única via de acesso ao presente.

Retirado do site da IHU http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506810-quando-a-religiao-do-dinheiro-devora-o-futuro-artigo-de-giorgio-agamben

sábado, 22 de setembro de 2012

Trocas...




As vezes o amor é demais
O cuidado é demais
A imporancia é demais..
Os outros nos amam tanto
Se importam tanto que até nos constrange
Pessoas nos querem tão bem
Nos querem tão felizes
Seus parentes nos amam tanto
Os amigos dos amigos nos admiram tanto,
Tudo tem tudo para estar perfeito
Os bons momentos são maioria
Temos algo bom, significativo, saudável, diferente do comum
Amamos e somos amados

Mas por algum motivo

Queremos pessoas que não nos amem tanto
Queremos pessoas que querem apenas nos usar como objetos
Queremos estar juntos de pessoas que não se importam
Queremos relações fúteis com pessoas que achamos próximas
Queremos relações utilitárias ao invés de significativas
Queremos os "iguais" a nós, mesmo sabendo que crescemos mais com os diferentes
Mesmo sabendo que não há ninguém igual a nós mesmos
Queremos o sujo, o podre, o vil,
Preferimos o descaso, o abandono, a marginalização em nome de "autenticidade"
Preferimos o caos, a desordem, o vazio

Por que ?  Talvez nunca saberemos o que desencadeia esta troca a não ser olhando caso por caso e dificilmente encontraremos um padrão ao fazer esta análise. Enquanto isso vamos torcendo para que nestas trocas ainda assim consigamos nos manter inteiros para lidar com as adversidades advindas delas...



terça-feira, 14 de agosto de 2012

Desabafo sincero a um não-eu




Se eu eu fosse você não iria por este caminho,
Não trocaria o certo pelo duvidoso por mais atrativo que ele parecesse
Não enveredaria por sendas tão obscuras apenas pelas promessas radiantes
Não tentaria resolver um problema criando vários outros. 

Se eu fosse você procuraria encontrar a paz no silencio e não no agito
Olharia para dentro de mim com sinceridade procurando minhas motivações mais secretas
Deixaria que a dor me apunhalasse de uma vez só, mas pelas minhas próprias mãos 
Viveria uma vida serena, mas plenamente feliz.

Talvez por tanto te amar escrevo este pequeno desabafo
Sabendo que talvez nunca será lido por você que não sou eu
Queria poder resolver todos os seus problemas para que você ficasse em paz
Mas infelizmente alguns problemas só quem os sofre pode resolver

Mas você não sou eu
E por não ser eu, devo te respeitar como outro
Um outro que decide, que arrisca, que tenta viver de forma diferente
Um outro que eu nunca conhecerei totalmente, mas amarei incondicionalmente

Dessa forma, 

O que posso oferecer é um ouvido atento
Um olhar atencioso
Uma boca com palavras suaves
Mãos que abraçam e confortam
E um ombro para se apoiar...

Pois quem encontra um amigo encontra um tesouro,
E onde está o nosso tesouro aí está o nosso coração
Dessa forma, eu estarei contigo por onde quer que fores !







domingo, 5 de agosto de 2012

Enquanto leio Levinas penso algumas coisas esparsas





Ame o próximo como a ti mesmo é a palavra do evangelho, no entanto não ame o próximo como se ele fosse você mesmo. O outro é um diferente em relação a ti. Ele está completamente distante de você para que você o ame como você ama você mesmo. Ele não pode ser compreendido por você, entendido por você, acessado por você em sua totalidade. Ele pode ser amado por você, mas sempre enquanto um outro a quem nós nunca temos acesso a não ser por uma ação ética. A ação ética por excelencia se vinculará no amor com o qual eu o amarei como amo a mim mesmo, mas sempre entendendo que ele é diferente de mim.

Amar o próximo com a mim mesmo é compreender que da mesma forma que estou disposto a fazer tudo para que a minha vida seja bela, estou disposto a fazer isso pelo outro. Eu o amo como um diferente, mas que por ser diferente se mostra como alguém que merece uma relação não utilitária, uma entrega total diante da aleridade. Essa alteridade que é completamente diferente de mim será o paradigma de toda a minha relação com o mundo, afinal todo o mundo é um outro em relação a mim. Não posso tentar fazer os diversos outros serem "meus", como algo a ser compreendido, como se todo o mundo fosse um grande objeto diante de um sujeito.

A distancia infinita entre eu e o outro só pode ser desfeita a partir de uma ação ética, i.e, a partir do amor que me move em direção ao outro tentando vê-lo como a um "igual", mas nunca como um "mesmo". Apenas a partir da assimilação desta alteridade radical que sou capaz de entrar em relação com este outro e só assim sou capaz de sair da condição egoísta de tentar fazer tudo em relação apenas a mim mesmo. O outro se mostra como convite a sair de mim, como convite a hospitalidade, i.e, o acolher o outro em sua diferença tendo-o sempre como alguém a quem este acolhimento é devido.

Só a partir desta assimilação da alteridade radical que serei capaz de amar o próximo com a mim mesmo sem me amar no outro. A ética então não se baseia em um "imperativo da razão", nem mesmo se volta apenas para o indivíduo como alguém que busca o "meio-termo" diante das situações que o cercam, mas se baseia na figura do outro que enquanto outro sempre clama pela hospitalidade. Este clamor, se entendido por mim, me leva a acolher o outro e assim entrar em uma relação com ele apesar da distancia infinita que nos separa...

Tal proposta soa muito estranha na pós-modernidade onde há um culto à individualidade e o incentivo às relações apenas utilitárias, mas acredito que tal proposta seja digna de ser pensada por nós e se constitui como um grande desafio em nosso tempo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Da exclusão à estrutura - Olhar crítico







E então, finalizando um processo que perdura por mais ou menos 4 anos, finalmente a igreja Betania de Venda Nova me excluiu do rol de membros daquela instituição. O Motivo alegado foi o pior possível, ou seja, infrequencia. Como se realmente expulsassem todos os infrequentes daquela institiuição, como se realmente a infrequencia fosse um motivo para tirar qualquer pessoa de uma instituição que se diz igreja. Claro que ao colocar o motivo da exclusão como "infrequencia" a instituição se livra da responsabilidade de ser "aquela que exclui" e joga toda a responsabilidade para o membro (afinal, ele que deixou de frequentar os cultos) evidenciando assim toda uma dinamica reperssora por parte da instituição.

Não estou chateado, não estou surpreso, nem muito menos espantado com a notícia, só achei que os motivos seriam explicitados corretamente. Qualquer pessoa que me conhece sabe que há muito tempo várias restrições à minha pessoa foram sendo impostas pela instituição Betania; desde de proibições de lecionar na escola dominical (na época me acharam como que "defensor" do hinduísmo), reuniões do conselho da igreja onde propuseram explicitamente minha exclusão alegando dentre outras coisas que eu estava sendo mau exemplo para os outros jovens da igreja, ou nas palavras de um dos membros presentes, que eu "havia sido uma benção, mas agora não era mais", reuniões com o atual pastor presidente que tacidamente disse que não queria ver-me lá a não ser como visitante, e se caso eu quisesse participar de qualquer atividade da instituição eu estava proibido de antemão, dentre outras coisas.

Seria muito mais honesto por parte da instituição Betania de Venda Nova se expusessem como o motivo da exclusão um destes episódios, sei lá, daria mais credibilidade ao conselho em questão pois daria um ar de conselho que "enfrenta os problemas de frente".

Isso se olharmos a coisa na esfera do micro, agora se olharmos o quadro grande, o que perceberemos é nada mais nada menos que uma dinamica empresarial, onde o membro (entenda-se funcionário) deve prestar serviços (geralmente voluntários) de forma a poder se manter dentro do quadro institucional, do contrário, ele será demitido (entenda-se excluído) do quadro da empresa.

A dinamica é bem simples se olhada do ponto de vista empresarial, mas como sabemos, a instituição igreja não aceita ser chamada de empresa, ela advoga pra si o status de "casa de Deus", ou "templo do Senhor" ou qualquer coisa que possa ser transposta para uma dinamica metafísica onde os líderes possam ter suas ações legitimadas por meio de orientações divinas, ou momentos de oração, revelações, ou qualquer tipo de "ajuda externa". Tal legitimação requerida pela instituição igreja se torna paradoxal, uma vez que o suposto legitimador da decisão (no caso, o Deus cristão que se revela para nós na pessoa do Cristo) deixou de antemão uma proposta que desaconselha tal prática, e para isso não faltam textos bíblicos que propõem o amor ao próximo, o cuidado para com os membros, a idéia de corpo, culminando na definição de Deus como um Deus de amor e não "Deus de milagres" como alguns insistem em afirmar por aquelas bandas de lá.

Se a exclusão de um membro se torna uma prática legitimada pelo Deus que "proibe" tal prática, tem-se um grande problema da legitimidade da ação, o que a meu ver leva a instituição a decidir-se por outro legitimador, que nesse caso deveria ser o próprio conselho da igreja, ou seus líderes e nesse caso cai-se de novo na dinamica empresarial evidenciada mais acima, onde o membro é apenas um funcionário (voluntário, friso novamente) que está passível de ser demitido caso cause muitos problemas à diretoria, ou caso seja "infrequente" ao "serviço". É interessante notar que em várias igrejas o membro é entendido como "obreiro" (claro que "a obra" nunca será a instituição, mas é vendida a idéia de "obra enquanto reino" e o obreiro não é obreiro da instituição, mas sim do reino, reino este entendido como "metas da instituição" legitimadas sob a égide divina).

Geralmente a diretoria da igreja prefere não ser a legitimadora de suas próprias decisões, afinal desde Adão a transferência de responsabilidade é uma prática comum àqueles que "vivem perto de Deus e com Ele conversam no Jardim" (traduzida hoje como instituição igreja) que dessa forma atribuem ao jejum e oração a causa do modus operandi da ação, que sempre é feita como sendo orientada por Deus e quanto a isso os exemplos em diversas instituições se repetem ad nauseaum...

Curiosamente, a prática da exclusão de membros que nem deveria fazer parte do repertório da igreja cristã é uma prática mais que comum e disso não faltam exemplos desde os nossos irmãos católicos até nossos irmãos protestantes que em vários setores deixaram de ser protestantes há algum tempo e passaram a ser apenas "evangélicos", ou seja, anunciam a boa nova (não tão boa assim hoje em dia) entendida atualmente como prosperidade financeira, "agir do espírito", etc. É óbvio que aqui não pretendo colocar todos os setores evangélicos no mesmo bojo e falar que são todos iguais, isso seria um contrassenso terrível, mas é algo visível que os grupos que se mostram mais preocupados com o ensino do texto bíblico, uma reflexão crítica da sociedade contemporanea se tornaram "outsiders" e estão longe de ser maioria. O senso do IBGE mostrou (embora um pouco questionável o método de pesquisa) que as igrejas neo-pentecostais são as que mais crescem hoje no Brasil, enquanto as igrejas ditas históricas mesmo tendo um pequeno crescimento no último ano, ainda estão bem atrás das "irmãs" neo-pentecostais.

Claro que o crescimento das igrejas históricas nos revelam talvez uma espécie de "saturação" do evangelho vendido atualmente associada a isso toda a dinamica do consumismo fruto da dinamica do capital onde tudo é adquirido de forma quase que instantanea, bastando para isso "ter fé". Desta forma, fé e capital se unem tendo Deus como legitimador do status quo e o fiel como aquele que deve consumir o melhor desta terra. (este tópico é interessante e talvez seja objeto de outro texto aqui no blog)

A meu ver, se uma igreja considera a proposta de excluir um membro, por qualquer motivo que seja, já evidencia o quão distante ela está da proposta cristã de "amai-vos uns aos outros", "suportai uns aos outros" e muito mais próximas da dinamica do "tirai dentre vós, o iníquo" (ou no caso, o infrequente, o problemático, o polemico, etc.) ICor: 5,13 que só faz sentido se dermos primazia à instituição e não ao membro. Prefere-se "passar de largo" como o judeu e o levita na parábola do bom samaritano do que parar e perguntar o que se passa com o membro, o porque ele está infrequente, o que o assola, etc. Enfim, ser igreja para o membro.

Mas o que torna tal dinamica possível e até mesmo necessária para a manutenção da instituição? A meu ver tal possibilidade só é viável quando a instituição é pensada como empresa e neste caso a ela se aplicará toda a dinâmica do capital que rege as empresas, isto é, o mais importante é o "bom funcionamento" da instituição, é saber se ela está dando lucro ou não, se os "clientes" estão satisfeitos ou não, tanto que não é raro vermos os líderes sendo "cobrados" por resultados, números de membros, receita que entra, que sai da instituição, enfim, o domínio implacável da dinamica capitalista, onde o trabalhador (neste caso o membro) é um mero meio para os objetivos da instituição. A desumanização passa a fazer parte desta dinamica e se torna o motor do status quo institucional que não medirá esforços para cumprir as "metas" propostas. Aliada a isso surge a legitimação metafísica que tenta fazer com que tudo o que acontece visando a dinamica do capital seja colocada sob a fórmula "é a vontade de Deus" tornando Deus o Grande Capitalista detentor de todo ouro e toda a prata e com isso o medidor de quão "abençoada" é a igreja será sempre o quantitativo quer monetário, quer de "sócios" filiados à determinada instituição.

E o que acontece quando de dentro da instituição surgem os que não se conformam com tal dinamica? Que questionam a teologia adotada? Que propõem mudanças estruturais ao invés de meros reparos estéticos? Que evidenciam a filiação da instituição com a dinamica do capital? Que propõem reflexões críticas visando mudar o status quo? O que deve ser feito com eles?

A meu ver a instituição deveria apoiar estes questionamentos, incentivar uma reflexão crítica, incentivar o repensar da fé que tem a característica de ser sempre viva e nunca estanque, que é fruto do espírito (que sopra como vento, isto é, sem forma, livre) e nunca petrificada, mas não é isto o que acontece, ao invés disso prefere-se condenar ao ostracismo quem se coloca como protestante tentando com isso limitar o campo da crítica para que ela não alcance outros e venham com isso a se levantar contra o status quo. Daí talvez vermos hoje uma igreja que na maioria das vezes não consegue traduzir as boas novas para o mundo contemporâneo e se vê fechada dentro de formulações que não dizem nada para um sociedade em constante mudança. E como não ver nesta rigidez institucional e na falta de credibilidade assumida pela instituição o grande número de "sem-igreja" que vemos hoje.


Diante disso vejo que a minha exclusão era apenas uma questão de tempo e a meu ver ela já deveria ter sido tomada há mais tempo, mas excluir um membro por contestações teológicas, institucionais, etc. soa muito mal para uma igreja evangélica, então é melhor que ele seja expulso por infrequência, assim a instituição se mantém "imaculada" e o membro como aquele que se desviou do caminho.

Eu, no entanto, sigo caminhando, e enquanto caminho penso e repenso o próprio caminho para que possa  andar por ele em paz.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Teologia da prosperidade e Espiritismo - Tentativa de uma sociologia da religião





 "Acho bastante estranho o interesse midiático atual pela doutrina espírita...Gostaria de saber quais as razões desse fenômeno novo." (pergunta me feita via facebook)

"Conforme novo censo do IBGE, o Brasil com 3,8 milhões de espíritas é o país mais espírita do mundo" (retirado do site da IHU )



Religião e mídia sempre caminharam juntas desde que a mídia é mídia. Qualquer evento religioso que é coberto pela mídia é motivo de comentários de todos os lados, uns para criticar e exigir (mesmo que colocando de forma estranha a questão) o estado laico, outros vendo como "mover de Deus" o fato da religião (e neste caso, a evangélica) estar ganhando espaço em um terreno que antes não tinha tanto espaço assim. 

Curiosamente, o meio evangelico tem ganhado espaço midiático principalmente na rede globo que tem todo um histórico de ser "contra" os evangélicos e fazia questão de ridiculariza-los em várias novelas, mas atualmente promove shows com cantores evangélicos e os patrocina em vários casos, nao me estranharia se dentro em breve a globo tivesse um programa evangelico nas madrugadas como a band, record, etc. Acredito que no caso especifico da mídia a questão seja meramente economica. Obviamente se perdia uma enorme fatia do mercado fonográfico e audiovisual ao deixar de lado a "religião que mais cresce no Brasil". Tal fatia do mercado tem que ser contemplada para que gere mais capital. E aqui vemos como que a questão religiosa é usada pelos interesses do capital.

Em relação ao espiritisimo, a globo sempre enfatizou a doutrina espirita em várias novelas, tipo "a viagem", "renascer", e tantas outras.. corria-se o boato de que tal enfoque espírita seria porque a família Marinho era espírita e por isso via nas novelas uma forma de propagar a doutrina espírita, o que no caso da globo, fazia isso ridicularizando as outras religiões em várias ocasiões. 

O fenomeno desse novo "boom espiritualista" (e aqui estaria no mesmo bojo o espiritismo e o meio evangélico)  pode ser remetido, a meu ver, ao período pós-guerra e o nascer do existencialismo. Como a ciencia com seus ideias positivista não foi capaz de "resolver" os problemas mais urgentes do ser humano, o vazio que a ciencia preencheria voltou a clamar por preenchimento, nessa esteira vemos o "renascer" de uma espiritualidade um tanto fragilizada (pois surge de uma tentativa de resposta imediata a um problema que não aceita tal tipo de resposta"), tanto que é nesta precisa época que surge o movimento neo-pentecostal em meados dos anos 70 como tentativa de lidar com essa "carencia" gerada por esse não-lugar. 

Claro que a forma como isto foi feito não foi a melhor e isso vemos até hoje. A forma "imediatista" de lidar com o problema gera uma teologia também imediatista que em nada resolve a questão, e aqui falo da teologia da prosperidade com toda a sua "gangue" de defensores. Vemos um "perpetuar" de uma espiritualidade vazia, um sincretismo que procura "aganrinhar" todo tipo de pessoa a partir da assimilação das várias religiões brasileiras, afros e etc. Talvez daí podemos perceber também um ressurgimento da busca pelas culturas afrodescendentes tais como o candomblé, umbanda, etc. Afinal, venhamos e convenhamos que se for pra tomar um banho de arruda é melhor que se tome no centro de umbanda que dentro de uma campanha da IURD. Pra que procuraremos na cópia o que se pode ter acesso no original? 

Claro que esta questão tem vários outros panoramas possíveis, mas acredito que no caso específico do meio protestante a coisa tenha caminhado por aí, e no caso do espiritismo a coisa teria a sua raiz também nesse espaço vazio deixado pela ciencia, só que no caso específico do espiritismo (onde a ciencia tem um papel maior) houve uma tentativa de se ligar a uma espiritualidade, mas sem se desvencilhar dos ideias positivistas da época de Augusto Comte e Alan Kardec, este a meu ver aliou um platonismo/órfismo a um positivismo e com isso surgiu o espiritismo que tem a grande vantagem de oferecer ao "homo cientificus" um contato com a espiritualidade sem abrir mão da "empiricidade".

Claro que o ideal espírita desta "empiricidade" é fonte de vários questionamentos e isso desde o início do século XX quando se tentava "provar" a existencia o Ectoplasma. Após a análise de Wittgenstein que propõe uma "separação" entre o discurso científico e do religioso tal foco espírita do início do século XX soa um pouco estranho a nós, embora a doutrina espírita no campo da práxis se mostra muito atuante ainda hoje em dia. Claro que há uma preocupação legítima por parte do espiritismo em continuar "dando razões da fé" que professam e isso a meu ver é muito vantajoso, agora no caso de uma "religião cientfíca" como pretendia Kardec, isso eu acho um pouco complicado de acontecer, afinal, como já nos mostrou Wittgenstein os campos e os discursos falam de coisas diferentes, e a experiencia religiosa não seria capaz de ser colocada em palavras e "sobre o que não se pode falar, sobre isso, deve-se calar" como diria o filósofo no final do Tractatus. 


Vemos que a teologia da prosperidade e em parte o espiritismo visam preencher a lacuna deixada pelo discurso científico em um mundo pós-guerra. Pelo lado evangélico vemos este lidar de uma forma muito estranha e pouco profícua que acaba culminando em uma teologia da prosperidade com suas "respostas imediatas", mas que não respondem à pergunta geradora da atual crise da espiritualidade. Do lado do espiritismo vemos a mesma tentativa evangélica, no entanto focando em um "conciliar" entre religião e ciencia na sede de encontrar uma "religião-científica" que responda às necessidades do "homo científicus", no entanto sem dar conta de tal empreitada. 


A pergunta pelo sentido da vida, do mundo, continua e cada dia mais a religião precisa ser repensada para que possa continuar tendo significado no mundo pós-moderno.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Experiências celestiais



"A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça e a sua direita me abrace." Cantares 8,6

Um abraço pode ser muito mais que um simples gesto entre duas pessoas.
Ele diz muitas coisas sobre ambos.

A entrega dos abraços é algo tão bonito que chega ser necessário não pensar sobre ela.
Tem pessoas que dão abraços tão carinhosos, tão sublimes que o outro se sente ao mesmo tempo protegido e protetor.

Hoje recebi um abraço desse tipo. Era um abraço ao mesmo tempo tão simples, imprevisto, não planejado, que simplesmente aconteceu onde geralmente não ocorrem abraços.

Era um abraço tão carinhoso, tão honesto, tão bonito, que de tamanha beleza me fez querer continuar naquele momento eterno onde nada além do gesto importava.

Era um abraço de quem se entregava, mas ao mesmo tempo de alguém que me dizia ter um pedaço de mim, e que por isso eu poderia sempre contar com ele não importasse a situação.

Era um abraço firme, mas tenro. Forte, mas leve. Simples, mas carregado de sentido. Era um abraço como poucos.

Até eu que não sei abraçar tão belamente fui embriagado com o gesto tão puro expressado ali, antes da hora de ir embora pra casa. Abracei da mesma forma; como quem se entregava também, como alguém que confiava também, como alguém que precisava de apoio também, e lá ficamos por poucos segundos, sem palavras, sem sorrisos, olhos fechados, mas sentindo confortados por braços pequenos, mas que traziam uma mensagem muito grande.

O abraço durou poucos segundos, mas o gesto se constituiu como símbolo de algo que tende a durar pra sempre.

Experiencia celestial por excelencia por trazer a eternidade ao tempo presente.

E com esse abraço fiquei até agora.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Processo descritivo - 29 anos





Fabiano Veliq
1,70 m
                                   29 anos
67 kg
                                                    homem
casado
                                          dois irmaos
                           graduado em filosofia


mestre em filosofia da religiao

especialista em teologia sistematica

filósofo
                                                                                  
                                                                                      protestante
                 atleticano
                                                                                                                       vários contatos
                                         

                                              poucos amigos
                                         branco
                                                                                                             olhos claros
                             cabelos lisos
                                                                                  

                                                                    gosto musical variado
apreciador de diálogos

sarcástico
                                                                                                              estudioso
                         ironico
                                                                                                                                    pouco comunicativo
                                             crítico

               
                                    leitor de filosofia/teologia/psicanalise/fisica/poesia



admirador de estrelas, buracos negros, galáxias

                                simpatizante das coisas simples, mas nao das simplórias

questionador 
                                                                                     polemico
                apreciador do silencio
                                                                                                         indiferente com várias coisas
leitor da bíblia

                               admirador da religiao independente da forma como se manifesta

feliz na maior parte do tempo
                                                                                       chato em várias ocasioes

trabalhador
                                                  
                                            

um homem comum










segunda-feira, 7 de maio de 2012

Pós-Teísmo e honestidade Teo-Filosófica





Toda filosofia tem que ser honesta consigo mesma. Não se pode apenas "fingir" que se questiona, fingir que se está colocando algo em dúvida porque isso compromete o filósofo e a filosofia. Qualquer filósofo que se preze estará disposto a colocar as suas mais profundas crenças em xeque em algum momento de sua vida. Este colocar em dúvida em nada o afasta de suas crenças enquanto estão sendo elaboradas, muito pelo contrário, várias vezes, estas dúvidas servem para que de alguma forma um firme fundamento seja encontrado. Mas não um fundamento vindo de fora, mas de dentro, entranhado no mais profundo da alma e do intelecto. Se no final do percurso (se houver algo nesse sentido) a crença primeira for negada, isso em nada é um prejuízo, mas sempre um ganho para o filósofo e para a sociedade.

Geralmente aceitamos estas conclusões quando em nada é afetada as coisas que tomamos como as mais importantes, as que são indiferentes para nós. Pode-se debater o "Ser", o "Nada", se existe de fato vida em outros planetas, etc... Coisas que a  maioria achará até interessante, mas no fundo tem para si que estas questões são meras "viagens filosóficas" e devem ser admiradas por ser uma tentativa intelectual que poucos estão dispostos a fazer.

Agora, quando se questiona o que é fulcral para os outros, aí a situação muda completamente de figura. O método filosófico, a honestidade filosófica deve ser abandonada pois se está querendo tocar o "intocável". Como se existisse algo intocável para o pensamento.

Recentemente quando me propus a pensar a questão de Deus fora de uma estrutura teísta, vivi exatamente esta situação. É como se esta questão de Deus não pudesse ser questionada, como se o cristianismo em sua construção histórica não pudesse ser colocada em xeque na busca de uma fé autentica. Como se "fé autentica" fosse sinonimo de "fé heteronomica", como se fosse possível uma fé que não esteja disposta a pensar sinceramente sobre estas questões. Como se fosse possível uma fé que fosse meramente passiva diante da "revelação" do texto.  Como se o dogma fosse mais importante que a reflexão sobre ele. Não nos esqueçamos que foi a própria reflexão que possibilitou o dogma e não o contrário.

A tentativa de resignificação de Deus para além de uma estrutura teísta não é ateísmo, mas uma tentativa de um pós-teísmo. Não é uma negatio Dei, mas uma affirmatio Dei. 


Para quem não sabe, há 3 formas consagradas de se falar sobre a ação de Deus no mundo. Há o deísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo com suas leis naturais e deixou que ele seguisse seu caminho não interferindo nele.

Há o teísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo e interfere neste mundo de acordo com sua vontade.

E há o ateísmo que na sua elaboração mais simples nega a existencia de Deus enquanto criador.

A tentativa de um pós-teísmo parte da tentativa de resignificar o que se entende por Deus e desvinculá-lo da idéia de Ser, e passar a tomá-lo a partir da noção de Sentido.  (Claro que não dá pra explicar esta desvinculação neste texto, mas sugeriria a quem interessar, buscar os textos de Bonhoeffer, Paul Tillich, Schilebeeckx entre os teólogos, e Feuerbach, Heidegger entre os filósofos para situar a discussão)


Para além do teísmo, mas não para além de Deus para usar a expressão do John Shelby Spong.
Ao colocar em xeque o teísmo enquanto única construção possível de Deus não estou me colocando ao lado de um ateísmo, ou negando uma fé cristã. Não nos esqueçamos que o próprio Jesus propõe uma resignificação da lei que há muito havia sido perdida pelos judeus de sua época. Esta resignificação que possibilitava Jesus chamar a Deus de Abba Pai também soava muito estranha aos fariseus de sua época, mas nem por isso ele deixou de faze-la, pois via que só assim seria possível uma relação adulta com seu pai. Com certeza muitos o acusaram de herege, pecador que "expulsava os demonios por meio de Belzebu" (Mt 12), mas nem por isso o nazareno voltou atrás em sua resignificação. E tudo isso pra que? Para que pudesse viver uma vida que se relacionava com pai de uma forma sincera, náo mediada apenas pela estrutura da lei que colocava uma separação transponível apenas pelo sacerdote uma vez ao ano. 

Na minha opinião é possível um cristianismo não teísta. Não deixo de ser cristão porque procuro pensar o cristianismo fora da estrutura teísta, muito pelo contrário, acredito que tento voltar talvez àquele significado de cristianismo do Cristo que se importa mais com a vida que qualquer outra coisa. Uma vida em abundancia e não apenas uma vida que visa algo para além dela como se tornou comum a partir de algumas leituras das cartas de Paulo. 

Sou protestante, nascido e criado na igreja protestante. Deus sempre foi objeto de meus pensamentos, desde muito cedo me interessei pela leitura bíblica, e tão logo ia lendo os textos, tão logo as perguntas surgiam. Minha professora de escola dominical me dizia que deveria fazer filosofia porque questionava demais. Perdi as contas de quantas vezes fui chamado de herege, dissimulado, questionador, aquele que estava "atrapalhando o mover de Deus", e recentemente afirmaram que "deixei de ser cristão" porque me propus a pensar o cristianismo pósteísticamente. Curiosamente estas afirmações a meu respeito acabam por me instigar a pensar mais sobre estas coisas; talvez por ser filósofo e ver isso como algo que deve ser feito, talvez pra manter a honestidade para comigo mesmo, talvez por acreditar que seja possível pensar a religião e a religiosidade com uma carga metafísica muito menor que a habitual no meio protestante, talvez por acreditar que o diálogo interreligioso só será possível se estivermos dipostos a debater todo o arcabouço de nossas religiões, sem reservas. Afinal, um diálogo interreligioso onde há mais reservas que aberturas é um diálogo infrutífero. Dialogar não é "negociar princípios", é tentar entende-los sob um novo prisma e talvez ver que aquele a quem eu tentava de toda forma salvar, foi quem me salvou de um dogmatismo cego.

Talvez a resignificação de Deus, vendo-o não mais como Ser, mas como Sentido seja um bom caminho para viver uma vida autentica, não mais como criança que depende de um pai (haja vista a pertinente crítica de Freud), mas como alguém que é capaz de manter um relacionamento autentico com a vida tendo neste Sentido o "alvo da verdadeira vocação a que fomos chamados".

Apontamentos para pensamentos... Sigo como quem pensa e pensando vou caminhando...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sobre opressão no trabalho

 
 Pensando outro dia sobre algumas relações de trabalho me veio a mente algumas considerações que transcrevo.
Muito curioso como a ética do "dever ser" sempre recai sobre o proletariado nas relações de trabalho. O proletariado "deve ser" comprometido com o trabalho "deve ser" zeloso por isso e por aquilo, mas esta responsabilidade e este cuidado nunca recai sobre quem está na "direção" do departamento ou repartição. Sobre estes o "deve ser" perde seu caráter de "moralidade" e passa a ser apenas "instrução" ou "sugestão" do como seria bom se fosse dessa forma. O que isso gera? No pior dos casos, apenas a insatisfação do proletariado; no melhor dos casos uma revolta do proletariado para que esta situação mude. O porque da recorrencia da primeira e não da segunda proposta pode estar no fato do próprio desinteresse do funcionário quanto ao melhoramento de sua condição no local de trabalho. 
Como o trabalho aparece a esse indivíduo como algo estranho a ele, por que se preocupar com as constantes restrições à sua liberdade? A questão que parece urgir e que geralmente não é colocada é o porque ele não se preocupa mais nem mesmo com a restrição de sua liberdade? A sua condição já está tão desumanizada que nem mesmo a supressão da liberdade de expressão, de ir e vir, de se vestir é visto como problema. 
Sobre este indivíduo tão desumanizado pelas relações opressivas de trabalho não tem como haver uma "cobrança moral", afinal, a moralidade é uma característica humana, e até onde sabemos, apenas os homens são capazes de uma atitude moral dada a racionalidade que lhe é inerente. Aplicar a ética do "dever ser" sobre este ser tão desumanizado é a mesma coisa de exigir de um macaco um comprometimento com sua jaula em um zoológico. Obviamente não haverá tal comprometimento, no primeiro momento que ele tiver a oportunidade de sair de lá, ele sairá. 
Ao mesmo tempo que há uma insatisfação por parte do funcionário há uma assimilação do discurso opressivo como se fosse um discurso próprio. É comum vermos o funcionário assimilando práticas opressivas e corroborando tais práticas fazendo cobranças que ele não deveria fazer se tivesse ciência desta dinamica opressiva. 
A dinamica se dá mais ou menos da seguinte forma: A chefia solta uma ordem opressiva, sem sentido. O proletariado acata esta ordem sem questionamento, (afinal, não se interessa por aquilo que faz, não se vê como parte da instituição) esta ordem é assimilada pelo proletariado como sendo uma ordem sua que passa a ele mesmo exigir dos outros que a ordem opressiva seja obedecida por todos. Nesta dinamica, ao invés de lutar contra a ordem, ele se mostra um disseminador da mesma.
Outro fato problemático é que a própria chefia não se vê também participante dessa mesma dinamica opressiva e passa a oprimir os subordinados com a opressão que a assola. O suposto poder conferido lhe aparece como possibilidade de "decisão" que o engana ao ponto de achar que ele detém o poder quando na verdade não passa de joguete nas mãos dos superiores. A dinamica opressiva vai tanto em via ascendente (tendendo a diminuir nos maiores níveis hierárquicos a ponto de várias vezes aparecer como "sugestão" ou "instrução") e em via descendente (tendendo a aumentar nos níveis mais baixos), no entanto todos acabam sendo oprimidos de uma forma maior ou menor. A chefia então executa a mesma dinamica descrita acima. É comum ouvirmos discursos vindos do chefe que dizem "eu só cobro de voces porque sou cobrado também."
E quem é o grande opressor? A partir de Marx e eu tendo a concordar, o grande opressor é o sistema capitalista que exige este tipo de opressão para que a máquina funcione.  A empresa (local onde o individuo trabalha) acaba exigindo no micro o que o sistema como um todo exige no macro.  Sob seu domínio se encontram todos estes indivíduos citados acima. Claro que a relação entre o sistema capitalista e a opressão é algo que não dá pra explicar aqui, mas fica o apontamento desta relação. 
O que fazer para que o círculo opressivo se quebre? A meu ver é preciso haver um esclarecimento tanto por parte do "proletariado" quanto por parte da "chefia" da dinamica opressiva perpetuada em suas práticas. Depois do esclarecimento é preciso haver uma luta para que esta situação mude, para que as relações sejam mais humanas e humanizadoras, uma mudança não apenas material, mas estrutural. A tendencia a encarar a mudança apenas de forma material ( a partir de melhora de salário, condições de trabalho melhor, etc) acaba por perpetuar a mesma condição desumanizadora só que agora colocando "flores sobre as correntes" . Daí a necessidade de uma mudança estrutural, não apeans material. A partir desse momento talvez seja possível falar novamente em homens trabalhando, uma vez que o trabalho não será mais feito apenas pela via opressiva, mas será expressão do homem que age em liberdade.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre a Bíblia

Quando vejo uma imagem como esta a várias coisas passam pela minha cabeça. Desde o mau uso da imagem, como ao mesmo tempo a indiscutível frivolidade da nova espiritualidade pós-moderna.

Curiosamente, vemos constantemente posts no facebook sobre a bíblia, sobre o fato de Deus nos amar acima de todas as coisas, o fato do fulano de tal amar a Deus sobre todas as coisas, mensagens de "Jesus te ama" a todo o momento, o que nos leva a pensar o quanto a imagem de Deus, e ao mesmo tempo a idéia de Deus perpassa no imaginário das pessoas.

Curiosamente, mesmo permeada por todos os cantos com falas, hinos, preleções sobre Deus, a sociedade pós-moderna em sua maioria pensa muito pouco sobre Deus. Cada vez mais vemos como que a profecia de Bonhoeffer se cumpre em nossos dias. Deus se transformou em "muleta psicológica" a quem se clama quando as coisas não estão bem, quando se quer ir bem em uma prova, ou tem alguém doente, uma espécie de gênio da lâmpada a quem é só pedir que ele está pronto para atender os desejos.

Dificilmente encontraremos alguém que consiga pensar a idéia de Deus afastado da idéia de pai, afastada de uma idéia metafísica ou algo para além da tradição ortodoxa. Dificilmente encontraremos alguém dentre os milhares de posts no facebook que consiga explicar sistematicamente alguma das doutrinas fundamentais da fé crista, tais como redenção, salvação, sacramento, dentre outras questões do gênero.

Ao invés de uma tentativa de fundamentação da fé, sucumbe-se ao discurso neo-pentecostal de uma "experiência com Deus" que seria mais que suficiente para resolver todos os problemas da vida do indivíduo. É evidente que a "experiência de Deus" é importante para todo aquele que crer em Deus, afinal se crer sempre no Deus que é experienciado pelo sujeito, no entanto, a "experiência de Deus" sempre devolve o homem para o mundo da vida e não encerra o homem em um êxtase sem sentido de onde ele sai o mesmo, sem fazer diferença pra ninguém.

Vemos isso na experiência de Jesus com o Gadareno descrito em Marcos 5, que depois de liberto insiste pra ficar com o Cristo, mas é enviado de volta ao seu povo, da mesma forma a experiência da transfiguração (Mt 7: 1-8, Mc 9: 2-8, Lc 9: 28-36) em que Pedro no afã do momento quer permanecer por lá, armar tendas, esquecer do mundo, mas é interrompido e levado de volta ao povo.

Ao colocar a bíblia como uma arma de fogo o que se vê é ao mesmo tempo uma enorme ignorância do que a Bíblia seria e ao mesmo tempo permite uma apologia a violência e a intolerância digna de repudio. Afirmar que a bíblia é uma arma que resolveria todos os problemas pela simples utilização da mesma chega a ser vergonhoso. A dinâmica da imagem remete aquilo que os cristãos deveriam combater e não legitimar.

Volta-se ao princípio das cruzadas, onde todo aquele que não crê como os cristãos devem ser mortos ou aniquilados pela palavra, como se ela fosse uma espécie de manual que deve ser seguido independente da cultura. A visão clássica que se tem da bíblia é de que ela é a palavra de Deus e por isso o texto revelado deve ser seguido, pois esta seria a vontade de Deus para todo homem. Eu não creio assim. Creio que o texto bíblico é um texto escrito por homens que almejavam dizer quem era o Deus que eles acreditavam ser o verdadeiro Deus. Mas este relato é incompleto, culturalmente determinado, visto de apenas um ponto de vista. O Deus da bíblia é o Deus dos homens da Bíblia, é o Deus visto por quem escreve.

Da mesma forma que se produziu a Bíblia, se produziu o Alcorão, os Vedas, os Upanishads, o bagavad gita, todos eles produzidos por homens que tentavam expressar suas experiências com o seu Deus, o que eles acreditavam que "criou os céus e a terra", "estabeleceu os fundamentos", "fundamentou a vida". São homens tentando entregar o que eles receberam.

A proposta de Karl Rahner do existencial fundamental se coloca aqui de forma muito contundente. Rahner coloca que aquilo que Feuerbach diz ser objetivação humana, só o é porque Deus colocou esse anseio no homem. No entanto, este "anseio por Deus" deve ser entendido não como algo fechado, exclusivo de um povo, mas como uma abertura para o sentido da existência que permeia o homem.

Deus então não é visto como um ser para além de nós que está pronto a nos atender numa relação infantil entre pai e filho, mas é visto agora como sentido, abertura para uma existência autentica. A Bíblia compreendida como essa tentativa humana de dizer Deus nunca pode ser uma arma que deve ser apontada em direção a quem não crê nela, mas deve ser vista como um diário de homens que procuraram dizer aquilo que eles experienciaram de forma autentica.

O canto do salmista "Oh Deus, tu és o meu Deus" (Sl 63:1) talvez deva ser entoado, mas agora com a consciência de que Deus é sempre o meu Deus, o Deus como o vejo, o Deus como fui ensinado culturalmente e não o único Deus. Há tantos deuses quantas culturas, e sobre eles não recai o conceito de verdadeiro ou falso, mas recai o conceito de esperança ou desesperança, sentido ou anomia.

Se compreendemos a Bíblia como uma tentativa humana de revelar o Deus acreditado por estes homens que escreveram o livro, isso é capaz de nos colocarmos diante desse Deus revelado de forma adulta, i.e, de forma a possibilitar que esse Deus não seja simplesmente uma "muleta psicológica", mas seja visto como um sentido que os homens buscam, e ver que Ele se revela a partir dos próprios homens.

A via não seria de mão única como quer a ortodoxia por um lado ( o texto revelado por Deus e ditado aos homens) e Feuerbach por outro ( O texto como produção humana, e Deus como objetivação de uma essência humana), mas seria uma via de mão dupla, onde o que o homem revela no livro é uma tentativa de expressar algo que estaria para além dele, existente ou não. O homem tentando encontrar um sentido e um sentido se apresentando ao homem a partir da vivencia de outros homens.