Nietzsche já nos falava há algum tempo atrás do "Eterno retorno do mesmo". Uma idéia bastante interessante muito assimilada desde tempos imemoriais por diversas religiões orientais.
Idéia esta que envolve a existencia de um universo eterno, que não teria um início, nem teria fim, mas seria cíclico. (um retorno aos primeiros pré-socráticos para os quais esta idéia é central)
A idéia de um universo eterno que depois da hipótese do Big Bang ficou tão desacreditada começa a ganhar força novamente dentro do cenário físico com diversos experimentos sendo feitos para tentar mostrar diversas falhas do modelo do Big Bang.
Uma espécie de choque em algumas correntes cristãs que suam até hoje para tentarem conciliar a "existencia do Big Bang com a existencia da criação", afinal, "Deus poderia ter criado tudo a partir do Big Bang" dizem alguns mais liberais.
No entanto, a idéia de um "início" para todas as coisas acaba partindo de um pressuposto de causa não causada, isto é, todas as coisas devem ser causadas por outra, e se assim for, é necessária (e aqui dizemos logicamente) que haja uma causa não causada de todas elas. Uma das 4 causas de Aristóteles que assimilamos tão bem sem nem mesmo saber que a idéia remonta ao estagirita.
Esta idéia de causa não causada foi assimilada pelo cristianismo principalmente por São Tomás de Aquino que definiu tal causa à pessoa de Deus. O primeiro motor aristotélico, se transforma em Deus criador de todas as coisas. A ciclicidade do universo se transforma em linearidade. As coisas antes eternas, precisam de um começo, e assim teorias como o Big Bang tem seu pressuposto fundamentado.
O "eterno retorno" que antes era a "teoria" mais aceita, passa a ser algo completamente marginal para a sociedade ocidental, mas ela permanece sendo defendida por alguns. Com o declínio da religião na época do renascimento, novas formas de ver o mundo vem à tona. A revolução científica do Século XVII dá ao homem novas formas de ver o mundo, para além da física aristotélica e permite a formulação de novas teorias que não mais pautassem na linearidade do estagirita.
Giordano Bruno foi queimado por propor a existencia de mútliplos universos, Galileu teve que se retratar perante a igreja por conta das novas descobertas que iam contra a metafísica aristotélica aceita até o momento... Estas idéias, mesmo que incipientes possibilitam uma espécie de "renascimento" de uma nova forma de ver o mundo.
Após a filosofia de Hegel, sabemos que há um questionamento muito forte sobre Deus. O ateísmo de Feuerbach aparece como explicação "final" para a "crítica da religião" como nos diria Marx. O materialismo ganha força novamente, a explicação das coisas não mais precisam passar por Deus, e ele não precisa existir para que nossas explicações façam sentido. Pode-se (e deve-se) explicar as coisas sem Deus, afinal, a crítica o eliminou das "coisas que podem ser conhecidas". Tendo retornado ao materialismo a idéia de "eterno retorno" aparece de forma muito mais tentadora que a idéia linear baseada em um início inteligente. O materialismo aleatório de Althusser acaba por remeter novamente a Epicuro e a idéia de Clínamem. Um retorno àquilo que era tão caro aos gregos.
Na pós-modernidade, Nietzsche exarceba esta posição tomando a idéia de eterno retorno um ponto alto de sua filosofia. Mesmo que Heidegger tenha visto em Nietzsche um último "defensor" de uma metafísica, podemos ver como que a idéia de eterno retorno do mesmo se vincula a uma visão mais materialista que propriamente "metafísica". (Claro que se fôssemos entrar nesta discussão, o post ficaria enorme).
Mas onde queremos chegar com esta "revisão" na história da filosofia sobre circularidade ou linearidade?
Acredito que para o último dia do ano, a reflexão é bastante importante, afinal, podemos encarar o novo ano como por um viés de "eterno retorno do mesmo" ou em uma espécie de "linearidade".
Para os que veem da primeira forma, o ano novo significa o início de um novo ciclo, uma nova oportunidade para realizar aquilo que ainda não se realizou no ano que passou. Morte e ressurreição. Finda-se o velho, renasce o novo. A esperança que aparece a cada último dia do ano. Sempre há aqueles que veem o eterno retorno como forma de desalento, como mesmice, como indício de que "nada vai mudar", apenas os desespernaçosos são capazes de assimilar a coisa desta forma. O eterno retorno não remete ao tédio, mas sim à esperança.
Para quem ver o ano novo como linearidade, acaba tendo a idéia de que a cada dia que passa estamos mais próximos do fim, mais próximos de "cumprirmos" nosso papel no mundo, e há ainda os que acreditam que o fim terreno levará a uma vida eterna, longe da linearidade, um início sem fim, uma imortalidade.
O ano novo acaba por nos remeter a esta dinamica tão cara a filosofia, tão cara a nós enquanto humanos, mas infelizmente "esquecida" pela dinamica da sociedade atual.
Muitas coisas poderiam ser ditas sobre isto, vários detalhes da história da filosofia caberia aqui, mas se fôssemos fazer isto, teríamos que escrever um livro para mostrar como que a idéia de linearidade e ciclicidade se entrelaçam na história do pensamento ocidental. Talvez este seja um bom projeto para levar a cabo, embora várias coisas já tenham sido escritas sobre o tema, inclusive uma obra muito interessante sobre isto seria o livro do Koyré "Do mundo fechado ao universo infinito". O intuito desta reflexão é apenas nos fazer refletir sobre a forma como vemos o mundo, como vemos a vida para que a partir disso, possamos ser humanos melhores...
Que este texto sirva de reflexão para este novo ano que se inicia...